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#23: Em clima de despedida

Este texto foi publicado originalmente na minha newsletter no Substack, que mantive ativa durante seis meses em 2022.

Olá, bom dia!

Acabo de ler todas as 22 newsletters que mandei até agora e como é bom perceber que evoluímos em algo. É tão raro sentir isso sem titubear, mas queria compartilhar que estou feliz! Me dá alegria abrir a página archive e ver exposta a trajetória da minha escrita nesses últimos seis meses. Eu realmente acho que melhorei.

Neste penúltimo ato, hoje vou falar sobre alguns sentimentos contrastantes que andam permeando a minha cabeça com o fim do projeto e sobre conclusões que cheguei escrevendo semanalmente aqui no Substack. Os tópicos não vão ser exclusivamente sobre escrita, mas sobre questões que me acompanharam e foram se desenrolando graças ao contato contínuo com pessoas que me estimularam e desafiaram ao responderem meus textos — e que seguem escrevendo diversas newsletters que assino e admiro. Diria, na verdade, que é mais um desabafo. Pistas que indicam porque, apesar de eu ter apreciado muito viver esta newsletter, ela vai mesmo parar no domingo que vem.


O ano terminou e sigo com a sensação de que se eu alcançasse algo grande, que eu considero realmente grande, eu conseguiria ficar mentalmente tranquila pelos próximos quinze anos. O Lucas me fala que isso é impossível, que, pouco tempo depois, eu já me acostumaria com a conquista e passaria a achar que ela não é suficiente. Ele diz para eu olhar para a minha trajetória porque, de acordo com ele, ela já deveria ser suficiente para eu estar orgulhosa e sossegada em relação a achar que ainda preciso provar algo para alguém, e mesmo assim não estou. Sempre bati o pé dizendo que não, que ainda não havia alcançado algo realmente grande capaz de calar todas as minhas inseguranças. Até que, hoje, lendo a newsletter da Roxane Gay, senti algo extremamente familiar. Parecia que estava encarando a minha própria experiência.

Eu costumava sentir que conquistei muita coisa, mas agora sinto que estou girando em um círculo lento, fazendo muito pouco. Em 2022, tentei descobrir por que não consigo progredir o suficiente nos muitos projetos em que estou trabalhando. Burnout? Sim. Excesso de trabalho? Sim. Assumir muita coisa ao mesmo tempo? É claro. Mas não sei como consertar isso. Falo sobre isso na terapia. O tempo todo. Consultei um coach, mas foi muito woo woo para mim. Tirei férias e pensei que escreveria muito em um cruzeiro (não do tipo com parques de diversões no meio e tal). Pulamos de uma ilha grega para outra. Fui para Kusadasi, na Turquia. Vi antiguidades incríveis. Águas azuis cristalinas. Dias ensolarados perfeitos. Quando acabou, não me senti revigorada, mas incrivelmente certa de que precisava de ainda mais tempo livre”.

Fui pega de surpresa porque apesar de racionalmente saber que é assim, eu não imaginaria que alguém como a Roxane Gay, com livros e projetos poderosos que tocaram tanta gente, ainda sentia esse tipo de coisa. E aí me vi aliviada e preocupada, triste e feliz, por perceber que o Lucas está certo. Vai ser sempre assim — e que bom?


Fiz um freela de redes sociais no fim do ano e, por causa dele, recentemente passei bastante tempo no Instagram, no TikTok e aqui no Substack, mergulhando principalmente nas páginas de veículos de mídia e de algumas marcas para entender como essas redes estão sendo usadas por elas no momento. Quando acabei o trabalho, percebi o quão drenada eu estava. A internet nunca antes me pareceu tão chata, pouco estimulante e cansativa. Há muito pouco que diferencia um perfil do outro, mas ao mesmo tempo todos parecem estar orgulhosos do quão inovadores e diferentes-dos-demais eles são.

Tem dois textos que li essa semana que falam um pouco sobre o assunto, este da Rayne Fisher-Quann, que estende o comentário ao uso do TikTok por pessoas querendo mostrar sua individualidade ao vender um estilo de vida que se baseia exatamente nos mesmos desejos daqueles que elas rejeitam, e este (de uma newsletter que acabei de descobrir), que aponta que a internet já morreu.

Apesar de não conseguir concordar com a argumentação inteira do segundo autor, senti profundamente a leitura desse ensaio. Lembrei do quão angustiada eu vivia ao trabalhar em uma grande empresa de mídia vendo as decisões sendo tomadas, especialmente as relacionadas ao digital, de modo repetitivo e medroso (no caso, as escolhas da Editora Abril). Agora, do lado de fora, vivencio as consequências disso: experiências horríveis em sites construídos para privilegiar anunciantes e caçar audiências pouco interessadas no conteúdo dos veículos. O mais irônico é que acho que em nenhuma dessas frentes essas empresas tradicionais são muito bem-sucedidas.

É cansativo estar na internet hoje porque parece que ao navegar por redes sociais e pelo Google e por sites e por newsletters precisamos estar sempre atentos demais, desviando de armadilhas, sendo a principal delas a destruição da nossa capacidade de pensar, como diz o texto The internet is already over”, da newsletter que citei acima:

As pessoas vão admitir alegremente que a internet destruiu sua atenção, mas o que ela realmente dissolveu é a sua capacidade de pensar. Normalmente, quando estou fazendo algo chato, mas necessário — lavar a louça ou ir ao correio —, constantemente me interrompo; há um pequeno gorjeio de Joyce no fundo do meu cérebro. Tédio é o pássaro dos sonhos que choca o ovo da experiência.’ Mas quando estou apaticamente matando o tempo na internet, não há nada. A mente não divaga. Eu não estou lá. Aquele buraco retangular vomita crimes de guerra e comédias fofas e afirmações e pornografia, tudo isso misturado em uma gosma informativa de uso geral, e eu permaneço em seu transe, o pergaminho sem vida, se contorcendo contra a tela até o céu escurecer e estou um dia mais perto do fim. Você perde horas para… o quê? Uma apresentação de slides interminável de imagens pouco interessantes e textos ativamente desagradáveis. Ah, ótimo — mais memes! Você sabe que é tudo muito chato, mas a internet te vicia em seu próprio tédio. Já experimentei heroína: ela é pior. Mais entorpecido, mais vazio, mais lugar nenhum. Uma cabine de suicídio portátil; um dispositivo para desligar toda a sua existência. A morte não está mais esperando por você no final da vida. Ele corrói seu curto tempo de dentro para fora.”

É ruim me sentir assim porque sempre fui uma grande entusiasta da internet. Adorava ter um smartphone no bolso para consultar ao vivo qualquer dúvida minha ou da pessoa com quem estava conversando e mostrar o quão interessada e rápida eu era. Eu também acreditava com paixão no poder dos blogs, me sentia segura ao saber que podia contar com pessoas desconhecidas ensinando uma grande variedade de assuntos online e enxergava com empolgação as trocas ricas em seções de comentários e fóruns. Meu eterno sonho de ser programadora veio da vontade de participar disso ativamente, construir páginas que seriam pontos de encontro. Mas não estou mais conseguindo enxergar isso.

O autor do texto afirma que a internet vai passar. No futuro — não no futuro distante, mas em dez anos, cinco — as pessoas se lembrarão da internet como um entusiasmo breve e estúpido, como a frenologia ou o dirigível. Elas ainda poderão usar redes de computadores para enviar um e-mail ou gerenciar suas contas bancárias, mas essas redes não serão onde a cultura ou a política acontecem. A ideia de passar o dia online parecerá tão ridícula quanto sentar em frente a uma boa lareira para ler a lista telefônica”.

Eu não consigo acreditar no fim da internet no momento, mas também acho que não há como ficar assim para sempre, considerando que as ideias de futuro dos bilionários que a detêm são ainda piores, então pode ser que haja um momento de evasão mesmo.

O que estou tentando dizer é que recentemente percebi que usar a internet, pelo menos do jeito que sempre usei, anda fazendo cada vez menos sentido pra mim. Os ônus estão sendo muito maiores do que os bônus. Tem a parte mais palpável, ou seja, passar o dia na frente do computador ou gastar horas em aplicativos de scroll no celular até minha cabeça doer, meus olhos ficarem secos e meus dedos com tendinite. E o que encontro nela toda vez que entro, tipo discussões com potencial, mas que acabam caindo no nada, projetos esperançosos que rapidamente são envenenados e repetição de reações que mudam apenas de tema. Estou falando, claro, da internet mais superficial porque sei que existem iniciativas mais descentralizadas e pessoas que conseguem se abster das dinâmicas que citei acima.

Muito dos meus gostos, das minhas amizades e descobertas só existem por causa da internet, inclusive o meu grande interesse e prazer de escrever sobre essas questões, e isso sempre prevaleceu. Acho que alguma coisa dentro de mim desligou, porém, quando comecei a enxergar que basicamente tudo o que consumo se dissipa no ar porque na sequência já estou de novo recebendo mais estímulos. Se por um lado exalto a possibilidade de ter acesso a pessoas e informações e entretenimento infinitos, até pela empolgação que eles às vezes me causam de criar algo a partir deles, por outro muito maior me angustio por não conseguir ultrapassar a barreira entorpecente da lógica atual da internet e me movimentar rumo a algo que poderia fazer jus a tudo que consumo. Não sei como sair disso no momento, parece que estou dando voltas no mesmo lugar, mas acho que um caminho é realmente passar menos tempo aqui.


Sinto que preciso fazer um parênteses sobre o Substack porque tenho visto muita gente o colocando como uma opção a essas sensações que descrevi no item acima. Usar as newsletters como um refúgio já que a natureza delas seria de mais, digamos assim, resistência por contrariar a ideia de que as pessoas não querem saber de conteúdo longo, muito menos de texto. Eu acredito um pouco nisso, obviamente, senão não teria escolhido essa plataforma para criar este projeto. Mas, como sugeri no título do texto 16, tudo que é bom vira ruim de novo depois de um tempo.

As mudanças e implementações de recomendações e botões estilo rede social do Substack foram muito rápidas. Ela me parece uma plataforma completamente diferente de quando entrei e só faz seis meses. Me incomoda demais a quantidade de telas que surgem depois que você se inscreve em alguma newsletter. Primeiro o Recommended by…” coercitivo, que se você não presta atenção acaba enchendo sua caixa de entrada com no mínimo mais três publicações sem perceber. Depois, se você tem uma newsletter, ele vai te perguntar com um grande e chamativo botão colorido se você não quer recomendá-la também. E aí o conte no Twitter que você a assinou”. Essas ferramentas fazem com que as newsletters ganhem mais público, mas elas vêm com um preço — tanto de prejuízo na usabilidade, quanto de transformar os autores em viciados em crescimento. Não acho que vai demorar muito para que a exista a possibilidade de pagar para aparecer no topo da página principal de recomendações ou que a plataforma passe a privilegiar conteúdos curtos (ou algum outro padrão que eles percebam que trará mais usuários para cá).

Soma-se a isso a ansiedade de assinar cada vez mais newsletters e depois ficar aflito por não dar contar de consumi-las. Tudo parece tão interessante e incrível, fácil de usar e interagir, mas vai morrendo um pouco a possibilidade antiga de se descobrir uma newsletter e se envolver com ela verdadeiramente já que agora há tantas opções nos sendo ofertadas, como se estivessem em uma gôndola de mercado, nos pedindo um pouco de atenção.

Eu entendo o apelo de estar aqui, principalmente para quem deseja rentabilizar o seu trabalho de escrita, mas não há como não ficar com um pé atrás com esse monopólio do formato”. As newsletters vivem um momento de alta, mas quase todas que conheci recentemente estão no Substack. É difícil para entusiastas do formato assistir tranquilamente newsletters virando sinônimo de uma (única) empresa. Não que as opções anteriores fossem perfeitas, o Substack tem muitas facilidades e pontos positivos, só é uma preocupação eterna, provocada por tempo demais na internet, de que esta plataforma em que estamos apostando tantas fichas vá nos passar a perna eventualmente.


Apesar de ter apenas reclamado até agora, valorizo demais o que esse espaço me proporcionou. Como disse lá na abertura, sou uma pessoa mais segura e que escreve melhor porque criei esta newsletter. Descobri que quero continuar escrevendo e ter chegado a essa conclusão já é motivo de muito alívio.

Um aprendizado que tirei da experiência é que a tão falada e valorizada consistência” é real. Tanto para criar uma base de assinantes sólida quanto para destravar bloqueios de escrita. Se você escreve um pouco todo dia, realmente fica mais fácil como um todo escrever, o corpo se acostuma. Por outro lado, escrever para um público crescente e desconhecido em uma newsletter semanal, especialmente sobre a sua própria vida, é mais complexo do que previ: você vê os números aumentando, não sabe por que ou com qual intenção alguém chegou até você e aí, se você é paranóica como eu, começa a se podar por causa disso, a fazer muitas aberturas autodepreciativas ou de segurança, como se estivesse se desculpando por escrever ou precisasse se explicar demais para falar sobre seus interesses em um lugar que você mesmo criou. Vejo esse tipo de escudo com muita frequência nas newsletters que assino, principalmente as de mulheres.

Eu poderia insistir e passar por cima dessas neuras, seria um ato corajoso que com certeza me daria orgulho no futuro. Acho sim que estou fugindo de algo que me desafia para buscar um cenário ideal que não existe — sei que qualquer coisa que eu venha fazer vai me trazer angústias bem parecidas (como descrito no item I). Mas estou com vontade de testar escrever em outros formatos e lugares, com mais tempo de maturação e fora da periodicidade semanal, e acho que devo abraçar esse impulso. Dito isso: preciso me precaver e dizer que pode ser que eu acabe sentindo mais falta deste espaço do que imagino e o retome exatamente como ele é a qualquer momento — vou aceitar ser chamada de hipócrita caso aconteça.


É isso por hoje! Apesar de ter feito o maior clima de despedida, semana que vem ainda volto com a última newsletter. Estou empolgada para mostrar algo que venho organizando há uns meses.

Ah, e muito obrigada por todos os e-mails de resposta na semana passada. Não achei que fosse um tema que ressoaria em muita gente, mas acabei me surpreendendo, aprendendo e me sentindo acolhida ao conhecer experiências similares.

Bom domingo e boa semana,

Nathalia