Este texto foi publicado originalmente na minha newsletter no Substack, que mantive ativa durante seis meses em 2022.
Bom dia 💌
Se eu soubesse que era só fazer uma caixinha de perguntas para ter assuntos interessantes, eu teria aberto uma no primeiro dia e me aproveitado da criatividade alheia para desenvolver algo em cima em vez de me esforçar por 17 semanas!!
Se você perdeu a última newsletter, criei um formulário anônimo para receber e responder perguntas nessa reta final do projeto. É só entrar neste link e me escrever caso você queira saber minha opinião sobre alguma coisa, quiser que eu explore melhor questões já tratadas na newsletter ou tenha curiosidade sobre algo que eu saiba falar. Sugestões e feedbacks no geral também são bem-vindos!
Eu ia escrever um texto hoje sobre outro tema e responder a pergunta escolhida só no final, mas decidi ficar apenas com ela desta vez porque já deu bastante pano pra manga.
“Nat, eu encontrei a sua newsletter por acaso e não faz muito tempo. Desde então eu aguardo com entusiasmo a chegada dos seus escritos. Eu amo que seja um projeto pontual, mas torço para que ele possa se estender. O que mais me fascina é a maneira como você consegue organizar os seus pensamentos, as suas ideias, ainda que minimamente, sobre seja lá o que for, e trazer pra gente. Como você faz isso? Juro! Isso é tudo o que eu gostaria de aprender a fazer. Eu sou organizada, mas na hora de escrever, ou mesmo de trocar uma ideia, muitas vezes, eu não consigo ser coerente. Ter um ponto de partida e um ponto”final” sabe?! Isso me causa muita ansiedade, e nos últimos anos tenho falado muito pouco (eu que gosto muito) e escrito menos ainda (e nem é sobre escrever grandes coisas, mas coisas básicas como mensagens no whatsapp, por exemplo). Agora mesmo estou com vontade de apagar tudo isso porque acredito que você não vai entender nada do que eu disse. Mas vou arriscar. Repense o fim do projeto. Um grande abraço daqui da Bahia praí onde você estiver..”
Antes de mais nada, obrigada! De verdade. Eu pensei que escrever esta newsletter seria falar sozinha e receber comentários da minha mãe (o que de fato acontece, seus comentários são ótimos, mãe, por favor, continue).
Bom, essa pergunta foi muito oportuna porque quando li, no domingo passado, eu estava me recuperando de um fim de semana repleto de interações sociais em que senti que havia falhado em todas. Na sexta, encontrei amigos com quem trabalhei por anos e acordei no dia seguinte com ressaca moral não porque eu disse algo digno de arrependimento, mas exatamente porque senti que não havia conseguido desenvolver nada direito sobre questões que ando pensando tanto. Na minha cabeça, os argumentos e as ideias existiam e flutuavam com liberdade e coesão, mas foi só alguém perguntar a minha opinião, ou começar a falar sobre algo que eu tinha o que acrescentar, que tudo se embaralhou. Quando tentei falar, o que saiu da minha boca me pareceu meio errado. No sábado, eu ia ter um aniversário e quis me preparar para não me sentir assim de novo, só que mirei em falar menos para não correr riscos.
Obviamente, enquanto eu estava lá me policiando para ficar a maior parte do tempo em silêncio já comecei a me sentir mal. Diversas pessoas que não me conheciam tiveram contato comigo pela primeira vez por meio de uma versão minha que só pareceu desinteressada. Estou contando isso para mostrar que, na minha vida real, eu não sou tão coerente assim. Quer dizer, devem achar que sou, mas dentro de mim isso definitivamente não está resolvido. E, pelo o que você escreveu, parece que é o mesmo com você. Sua pergunta é 100% clara, organizada, compreensível e interessante. Mas o problema parece ser que você não está satisfeita porque pensa demais (estamos juntas) e tem altas expectativas de ser compreendida pelos outros exatamente da forma como você idealizou. Isso causa ansiedade quando a gente se depara com o mundo real, que é bem mais, digamos, espontâneo.
Um exemplo: sabe quando a gente se prepara para falar com um atendente de operadora de celular para mudar algo do nosso plano? E aí nós podemos ter todos os documentos, ter lido o site inteiro para saber certinho pelo que queremos trocar, mas quando finalmente conseguimos passar por todas as etapas, a pessoa nos diz algo 100% inesperado, tipo que você vai precisar ir pro outro lado da cidade resolver pessoalmente um problema que você nem sabia que existia? Somos pegas por uma realidade para a qual não nos preparamos e ficamos frustradas ao perceber como as coisas fazem pouco sentido fora da nossa cabeça. Como deu pra perceber, sou uma pessoa meio maníaca por controle, mas nos últimos tempos tenho tentado ir no freestyle. Se antes eu passava horas nervosa por precisar ligar para lugares como esse, e me preparava para todos os cenários possíveis, agora eu simplesmente ligo, vou passando pelo disque 1, 3, 7 e quando chega a hora de conversar com um ser humano falo o que preciso no improviso. A partir daí, sigo o fluxo, digo que não sei, peço para a pessoa me explicar se não entendi e vou seguindo. Sempre penso “qual é a pior coisa que pode acontecer?” e é eu precisar desligar e ligar de novo. Não é tão ruim assim.
Outra questão que me prejudica, mas ao mesmo tempo é maravilhosa, é ter um interlocutor confiável (no meu caso, dentro de casa). Desde que passei a morar com o meu namorado, sinto que virei um ser humano mais eloquente. E isso acontece porque nós nos falamos o dia inteiro já que ambos trabalham de home office. Toda vez que estou empacada em um pensamento, vou até a sala e começo a falar. Mesmo que ele não tenha nada específico para me aconselhar, só o falar já faz com que aquilo vá se desenrolando naturalmente dentro de mim. Eu debato os temas da newsletter com ele e sempre saio com um ou dois argumentos novos — ou até antigos que eu havia esquecido que já tinha pensado sobre. Por outro lado, tenho percebido que por me sentir tão confortável com alguém, e saber mais ou menos como ele vai reagir, por termos criado uma espécie de idioma próprio entre nós, falar com outras pessoas é cada vez mais um choque. É o atendente do call center me surpreendendo o tempo todo em todos os lugares.
Foi justamente essa falta de controle nas conversas e a angústia de nunca sentir que estava entregando “todo o meu potencial” nelas que me fizeram querer voltar a escrever. Você tampouco vai conseguir ficar totalmente satisfeita com um texto seu, ele não vai fazer jus ao que você já planejou na sua cabeça, mas digo que se você trabalhar nele por vários dias pode chegar perto. Falando agora especificamente sobre escrever, aqui vão três dicas que uso bastante:
Tento identificar o que mais gosto em alguns textos e passar isso para os meus. Por exemplo: gostei do quão direta essa pessoa foi, volto no meu e vou cortando as firulas. Gostei de como ela descreveu um ambiente, começo a treinar isso. Não vejo nenhum problema em ir pegando elementos emprestados até você criar um estilo seu que te agrade. A partir do momento que eles passam por você, eles já são diferentes, viram seus.
Para textos maiores, começo sempre com um shitty first draft. Escrevo tudo errado, repito palavras, nada faz sentido. No dia seguinte, arrumo a ortografia. Mesmo que as ideias ainda estejam embaralhadas, só de ler algo que parece um texto já fico mais confiante. Depois, vou organizando a ordem dos parágrafos e insiro uma ou outra frase. Quando estou meio satisfeita, vou ler ou assistir coisas que podem ou não ter a ver com o que estou escrevendo e, por fim, converso com alguém (normalmente meu namorado) sobre o tema e aí vou organizando tudo na estrutura que já estava engatilhada — ainda bem que tenho prazos nos freelas e na newsletter pra não ficar pra sempre nessa etapa de ir vendo e assistindo e conversando e mexendo no texto. Ps: também dou um ctrl+f nas palavras coisa, eu, muito e algum, porque são as que mais uso, e elimino todas as possíveis.
Chegar a uma conclusão é mais difícil, a não ser que eu tenha começado meu texto por causa de uma. Acho que a gente ficou viciado no esquema de redação do Enem de sempre ter que ter uma conclusão, resgatar do primeiro parágrafo o problema para construir a solução no último. Já me conformei que a maior parte dos meus textos não tem conclusão — até porque, se eu for fazer uma sempre, ela teria que ser “redes sociais, falta de tempo e perspectiva, geração millennial, ansiedade, ou seja, o capitalismo”.
No geral, eu também sou a pessoa que, como já diria a Lorde, overthink ponctuations, que escreve rascunho no bloco de notas para responder simples mensagens de WhatsApp. Mas, quanto mais eu vivo, mais percebo que não há necessidade. Tampouco precisamos destruir essa característica em nós, ela traz certas vantagens, mas precisamos escolher nossas batalhas. Cheguei à conclusão que a do call center não é uma que eu quero travar, a de responder amigos no WhatsApp também não porque eles são justamente quem eu deveria saber que não vai me julgar por uma frase mal colocada ou um argumento que vai se contradizer depois. Um e-mail de trabalho, esta newsletter, pode ser que sim, coloco na balança e normalmente enxergo que vale a pena esse esforço.
E sobre conversas, você provavelmente está tão preocupada em ser coerente (e te provoco a pensar se o que você está chamando de coerência não é também um medo de não parecer engraçada, interessante, inteligente que está baseado em uma sociedade que transformou isso em pontos a serem trocados) que acaba falando menos do que deveria — e se isso ainda é algo que você gosta, por favor, não deixe de fazer. Eu sempre achei que não gostava muito de falar, que era uma pessoa observadora (culpo de novo descrições limitantes do meu signo por me fazer acreditar nisso com tanta força) e agora que tenho ousado falar mais fico, como você, angustiada por achar que não estou fazendo jus ao que eu poderia dizer e volto pro silêncio.
Anos observando pessoas conversando em mesas de bares enquanto eu ficava quieta me fizeram perceber, porém, que as pessoas mais coerentes são as que falam, falam e falam (desde que não em cima dos outros e virando inconvenientes, claro). Você só vai conseguir criar e defender o seu ponto se você se der a chance de construir ele. É como na escrita, é preciso fazer várias vezes até se sentir confortável. E não tem porque a gente querer acertar em todas as falas, em cada uma das interações, em todas as frases. No fim, nós somos vistos pelo conjunto e é preciso que ele tenha recheio para existir.
Acho que é isso, não sei te ajudei, mas obrigada por me dar a oportunidade de escrever sobre algo que eu não teria coragem de desenvolver por vontade própria. E sobre repensar o fim da newsletter, na verdade eu penso bastante, mas cada dia decido algo diferente. Talvez eu precise escrever sobre isso.
Se também quiser aconselhar a leitora, deixe um comentário abaixo. E caso queira me fazer uma pergunta ou sugestão, clique aqui.
Bom domingo e até semana que vem,
Nathalia