Este texto foi publicado originalmente na minha newsletter no Substack, que mantive ativa durante seis meses em 2022.
Para organizar uns pensamentos e enfrentar a vontade de permanecer em silêncio.
Olá, bom dia?
Queria dizer que é bom estar de volta, mas, como já contei por aqui, há duas semanas enfrentei a morte de uma pessoa querida da minha família e ainda estou me sentindo meio anestesiada. Além disso, meu computador quebrou e, entre as várias desgraças do domingo passado, o astronauta do Bolsonaro ganhou uma vaga no Senado por São Paulo (eu não consigo me conformar com isso).
Para não ser injusta, coisas boas também aconteceram: cozinhei para comemorar o aniversário da minha mãe, recebi o aviso de que o conserto do meu computador vai sair de graça porque milagrosamente ele ainda está na garantia e a minha deputada estadual Ediane Maria foi eleita junto a vários outros ótimos nomes.
Entre altos e baixos, esses eventos resumem mais ou menos o meu estado de espírito atual: tentando me equilibrar entre a vontade de chorar deitada na cama, a de espairecer em atividade banais e a de transformar minha raiva em algo que de fato sirva pra alguma coisa. Escrever, entretanto, era tudo o que eu não queria fazer nesta semana.
Cogitei para hoje imitar os autores da maioria das newsletters que assino, que conseguiram manter suas programações e só mencionar de leve o segundo turno ou compartilhar publicações de terceiros, mas assim que comecei a escrever sobre um tema aleatório percebi que não ia conseguir terminar. O que sobrou foi tentar organizar alguns pensamentos e descrever algumas aflições dos últimos dias para ver o que sai. Dizem que isso ajuda.
Uma das questões que mais me angustiavam quando decidi lançar esta newsletter na periodicidade semanal era exatamente saber que eu não seria capaz de manter um espaço meu online sem escrever algo raivoso em momentos intensos como este. E eu não queria isso porque apesar de me considerar uma pessoa segura das minhas opiniões, o que vem me fazendo ficar mais em silêncio na internet ultimamente é sentir que qualquer coisa que eu publique como reação já não me representará mais no minuto seguinte — e pior, pode acabar virando um desserviço. Veja bem, não estou falando de ideias essenciais, como ser contra o Bolsonaro. Falo mais sobre os ímpetos imediatos que nos inflamam logo após nos depararmos com notícias pavorosas.
Por exemplo, quando fiquei incrédula ao ver os senadores eleitos, vi um tweet que dizia “como o Lula vai governar com esse senado??” e pensei em compartilhar. Minutos depois, outro tweet apareceu falando que boa parte desses senadores são de partidos do centrão, e que tanto fazia quem fosse o chefe do executivo porque eles são fieis apenas a eles mesmos. Isso fez sentido também. Tive o ímpeto de comemorar nos stories a eleição dos deputados cujas ideias me identifico, mas na sequência vi muita gente que eu admiro dizendo que não há nada a se comemorar se olharmos para o resto da câmara que foi formada. Falei em voz alta que estava triste e com vontade de desistir, meu namorado me mostrou a opinião de uma professora dizendo que se colocar nessa situação é um privilégio de poucos. E, sim, de fato. Li que o foco deveria ser virar voto dos bolsonaristas no zap, mas que também era tarde demais porque o foco deveria ter sido antes, nas ruas e na base. Pensei em me isolar, pensei em me organizar em um partido político radical, pensei em compartilhar o vídeo da maçonaria no grupo da família, pensei em fechar esta newsletter inútil.
Atribuo essa instabilidade e insegurança emocional aos resultados assustadores do domingo passado, claro, mas principalmente ao Twitter porque abri-lo tem me causado muita confusão mental. Nada novo para quem conhece as águas tortuosas dessa rede social. Na maior parte do tempo, inclusive, eu sigo a máxima “se você fechar o Twitter, esse problema ainda vai existir?”. A resposta quase sempre é não, mas desta vez é diferente. Faltam poucas semanas para a eleição mais importante das nossas vidas e tem muita coisa relevante sendo debatida ali. Eu sinto que não posso, e meus dedos me confirmam que eu não quero, sair e correr o risco de perder qualquer argumento que me ajude a entender de uma vez por todas como chegamos até aqui e o que fazer para sair dessa. Tempo demais imersa nele, porém, foi o suficiente para me fazer enxergar que eu estava deixando a lógica das redes sociais me boicotar e mais uma vez abrindo espaço para o medo.
Outra questão que colaborou para que eu me afastasse um pouco de manifestações na internet começou com a cobrança por posicionamento de influenciadores e celebridades. Assim como muitos, a princípio também fiquei revoltada com a indiferença, mas ao olhar com certa distância, passei a me questionar sobre o excesso de energia colocado nisso. Quais tipos de pessoas estamos seguindo para precisarmos implorar para que elas digam o que pensam politicamente? E só agora? Posso estar enganada, mas se alguém mostra a sua vida inteira nas redes e nunca proferiu nada sobre o estado das coisas nos quatro anos desse governo desastroso, acho que dava para inferir bem antes que algo ali estava errado — e acho que ele fazer o L ou postar um look vermelho agora que ficou “mercadologicamente seguro” se colocar ao lado do PT não nos serve de muito. Por outro lado, entendo a sensação de que as pessoas e as empresas que passam o ano todo lucrando em cima de pautas progressistas estão nos devendo. Só fico pensando se essa não é uma demanda ingênua. Esperávamos mesmo que determinada marca se posicionasse a favor do Lula porque uma vez ela escalou pessoas que não parecem a personificação da antiga Barbie Malibu para uma campanha de dia dos namorados sendo que sabemos que ela só fez isso por likes e medo do cancelamento?
Só para deixar claro, isso não é uma crítica a quem postou seus votos, eu enalteço e realmente acredito que o apoio público ao Lula nos ajudou a estar 6 milhões de votos à frente, mas sim à aparente obsessão por performances da burguesia que começam e morrem ali mesmo nas quais muitas vezes parece que estamos imersos (e nos afogando). Eu não consigo deixar de achar isso perigoso considerando que as ideias fascistas que estão espalhadas pelo Brasil não vão sumir se o Bolsonaro sair do poder ano que vem, então todos os símbolos e looks deveriam estar bem mais atrelados a um trabalho de politização (inclusive pessoal). Não é o que tenho sentido na internet, mas estou 100% aberta a ouvir argumentos contrários.
Queria ter uma boa conclusão depois de uma semana mentalmente mergulhada nesses debates, mas me encontro apenas com centelhas de caminhos. O primeiro é que percebi que tenho um grande problema, que é desejar resolver tudo sozinha na minha cabeça até estar 100% convencida para aí sim ter contato com os outros. Isso é péssimo e ineficiente porque eu nunca me sinto segura e acabo me afastando do mundo mais e mais — e se essa semana me ensinou algo é que dá para ir se entendendo no processo, em conjunto, e é rumo a isso que tenho que trabalhar.
A segunda é que a solução, no fim das contas, passa por dentro e por fora, em organização comunitária e interior também. Tudo ao mesmo tempo e misturado. Se isso envolver errar algumas vezes na jornada tudo bem, desde que nos mantenhamos atentos. No mais, quero poder estudar, sonhar e agir em prol de outro modelo de sociedade, uma que seja pautada em melhorarmos coletivamente e guiada pela calma, pela luta e pelo amor de bell hooks. O que tenho certeza é que, para isso, é preciso primeiro apertar 13 no próximo dia 30 (para presidente e para governador em São Paulo também plmds!!!!).
Obrigada por seguir assinando esta newsletter e até semana que vem,
Nathalia
Para não deixar o texto sem algo bonito para nos agarrarmos, colo aqui uma frase da última edição da Segredos em órbita, da Vanessa Guedes (uma das únicas newsletters que assino que abordou os sentimentos complexos pós-eleições): “Só quem tem muito amor no peito sente raiva por uma causa coletiva.”