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#07: Rookie

Este texto foi publicado originalmente na minha newsletter no Substack, que mantive ativa durante seis meses em 2022.

Olá, bom dia! Estamos em setembro! Nem parece que já faz uma semana e aqui estou eu de novo na sua caixa de entrada.

céu

Eu ando meio cansada da forma como escrevo, das coisas que escrevo e dos meus próprios pensamentos. Queria conseguir escrever de um jeito novo, totalmente diferente do que aperfeiçoei ao longo da minha vida como jornalista, tipo um poema, uma letra de música, um diálogo, uma receita, sei lá. O problema é que mesmo se conseguisse, eu não teria coragem de enviar algo assim. Eu ficaria andando de um lado pro outro nervosa depois de publicar e passaria a semana toda pensando em apagar o texto. Talvez isso tenha a ver com o medo de experimentar, mas acho que é mais sobre um medo de perder. Perder algo em que me reconheço e que imagino que algumas pessoas me reconheçam também.

De vez em quando, sou atormentada pelo questionamento de onde exatamente me encaixo na sociedade e como os outros me veem agora que não estou trabalhando. Esse pensamento costuma aparecer nas horas mais aleatórias. Nessa semana, ele surgiu quando resolvi postar no Instagram um vídeo de um truque de costura e fiquei supresa ao perceber que não existe mais a opção de postar vídeo sem que seja como Reels. Isso me causou uma breve crise de identidade porque não existiria a menor possibilidade de eu não saber disso se eu ainda estivesse trabalhando. Afinal, eu era a millennial a quem as pessoas recorriam para tirar dúvidas do mundo digital”.

Não associo o meu desconhecimento de algo tecnológico a estar envelhecendo porque não acho que, de um dia pro outro, todo mundo passe a usar apenas o dedo indicador pra tocar na tela do celular sem perceber. Tenho uma certa segurança de que consigo continuar acompanhando todas as mudanças e ser bem online se eu quiser. Claro que envelhecer tem a ver exatamente com esse se eu quiser” porque faz parte irmos reavaliando com o tempo o quanto de esforço colocamos em algumas coisas, mas não sinto que estou no momento de querer deixar de saber essas coisas, ainda estou disposta a me esforçar por elas. Acontece que eu simplesmente não estou postando mais no Instagram por tudo o que falei na newsletter #3, mas mesmo assim me sinto mal por não saber mais como funciona algo dessa plataforma decadente só porque eu era conhecida por saber muito.

A Tavi Gevinson deu uma entrevista para o site The Creative Independent no fim do mês passado e, na minibiografia que escreveram sobre ela, colocaram primeiro o seu trabalho como atriz, seguido das grandes revistas e jornais com os quais ela já colaborou e, por último, a Rookie (o blog e depois veículo que ela lançou quando tinha 12 anos). Por algum motivo que estou tentando decifrar aqui com você, fiquei incomodada de ver que ela não é mais descrita primeiramente como criadora da Rookie, mas sim como atriz.

Com a Rookie, a Tavi criou algo que, na minha cabeça, foi tão relevante que seria suficientemente grande para ela viver de créditos disso para sempre. Talvez eu não acompanhe muito o trabalho dela como atriz e por isso sinta que ele é menos expressivo do que o que ela fazia como fundadora de um veículo. Mas sempre achei que o futuro da Tavi, uma criança e depois adolescente que pautou um pouco da moda e da mídia, seria construir algo ainda maior dentro do universo em que ela já era respeitada.

Pode ser que a Tavi se transforme na maior atriz do mundo e, no seu obituário, a Rookie vire apenas um detalhe curioso. Talvez daqui 30 anos alguém faça a versão de um TikTok de 2052 dizendo você sabia que a Tavi Gevinson já teve um veículo?”. Isso me perturba tanto quanto imaginar que se a Ivete Sangalo virar uma Oprah ou uma Hebe na televisão, haverá gerações que a conhecerão como apresentadora e não pela música, sendo que durante toda a minha vida ela foi sinônimo de cantora. Como lidar com o fato do tempo ir apagando coisas que eram o normal para nós?

Em 2015, eu realmente achei que eu e minha companheira de TCC iríamos continuar e quem sabe viver do nosso projeto, que era um observatório feminista de imprensa. Naquela época, se me pedissem para me definir, eu diria que era Nathalia, uma feminista. Era algo que rondava o meu pensamento e meu foco e eu fazia questão que todos ao meu redor me vissem assim também. Alguns anos depois, virei a Nathalia da ELLE. Um sobrenome que só era útil de fato para falar com assessoras de imprensa e personagens de entrevistas, mas que acabava sendo o mais presente na minha vida por eu passar tempo demais no trabalho. No começo do ano, virei a Nathalia que abandonou o emprego que sempre sonhou e não estava fazendo nada. E agora parece que sou a Nathalia da newsletter (todo mundo que tenho encontrado tem me perguntando sobre a newsletter antes de qualquer coisa).

Enquanto estou aqui confabulando sobre o futuro perdido da Tavi, ela não parece estar muito incomodada. Durante a entrevista, ela explicou que quando fez 21 anos começou a se sentir estranha na Rookie. Afinal, era um veículo para adolescentes e ela estava virando adulta. Quando foi anunciado o fim, muita gente o associou à crise da mídia que agora havia assolado essa revista online. Cheguei a concordar na época, mas hoje vejo que não era só isso. Olhando bem, fazia sentido a Tavi largar o osso, mesmo que ele fosse o sobrenome dela. Fechar o veículo, fazer outra coisa, não ficar presa a algo que poderia eventualmente fazê-la ser vista como uma pessoa que não conseguiu se superar e se reinventar. Focar em outra coisa e ser vista como iniciante de novo. Não consigo enxergar nada mais adequado para alguém cujo veículo se chamava novata”.

Existe uma teoria que não tem exatamente a ver com o que vou falar agora, mas que diz que se você não gosta da obra mais recente de um artista você não gosta de verdade daquele artista. O crítico que escreveu isso se referia a outras questões, mas quando lembro dessa frase penso que os motivos que levaram a Tavi a deixar de se vestir como ela se vestia quando era criança, que fez ela criar a Rookie, que fez ela fechar a Rookie, que fez ela começar a ser atriz, são o que de fato eu admiro nela. E se ela está em paz em ter perdido um pouco da Rookie da sua bio, algo que considero muito maior do que qualquer coisa que eu já tenha feito, por que não posso estar também?

Ter saído de um trabalho que sempre sonhei, e que eu era apegada inclusive porque sabia como me viam por causa dele, me parece tão significativo quanto ter conseguido entrar nele. Mas quando olho para a Tavi e me vem à cabeça que ela deveria ser vista pela sua grande obra”, percebo que ainda estou presa a alguns clichês de sucesso mesmo endossando (na teoria e na prática) jornadas não lineares e questionando objetivos de vida que são quase sempre iguais. Às vezes, é desconfortável imaginar que alguém ache que virei a Nathalia que poderia ter crescido dentro de uma revista incrível e agora não tem mais nada pra fazer além de ficar postando vídeos aleatórios no Instagram”. Mas estou aprendendo a ficar em paz, e talvez até admirar, a minha obra mais recente, que é ter feito essa escolha. Quem sabe eu consiga admirar minhas eventuais tentativas de escrever de uma forma diferente também. Quer dizer, querer escrever de uma forma diferente já não significa alguma coisa?


Notas finais

Essa newsletter fez parecer que sou a maior fã viva da Tavi, o que não é verdade, haha. Na real, eu acompanhei pouco da Rookie como público alvo, mas sabia que ela estava fazendo algo relevante e por isso sempre a deixava no meu radar. Enfim, se você ficou com vontade de ler a entrevista, coloquei o [link aqui](https://thecreativeindependent.com/people/actor-and-writer-tavi-gevinson-on-not-being-afraid-to-change-up-your-process/.

Ia divulgar sábado passado, mas acabei esquecendo: escrevi uma matéria pra edição de agosto da ELLE View, a revista digital da ELLE Brasil. Ela tenta investigar por que o Brasil aparece no topo do ranking de países que mais compram produtos recomendados por influenciadores na internet. Minha teoria passa pelo nosso uso superlativo de internet e redes sociais, o consumo ser sinônimo de lazer no nosso país e o comportamento específico dos influenciadores brasileiros. A matéria é fechada para assinantes, mas garanto que vale a pena assinar. Sou enviesada porque fiz parte do projeto desde o começo, mas se você gosta da ELLE, assinar seja a revista digital ou a impressa ajuda o projeto a seguir firme como um todo (isso vale pra qualquer coisa online que você goste, principalmente as independentes).

Sobre o vídeo da agulha, eu realmente indico o truque de costura que postei no Instagram!! É o tipo de coisa que muda a sua vida mesmo que você não queira ser costureira. Não é à toa que ele já está com mais de 5 mil views, definitivamente o maior hit da história do meu Instagram.

Termino recomendando a newsletter de beleza do meu amigo Pedro Camargo, que é editor de beleza da ELLE. A Beauty Letter fala de produtos, lançamentos, eventos etc, mas também é uma oportunidade para ter contato com a escrita e os pensamentos do Pedro, o que é sempre um privilégio. Dá pra assinar aqui (ela é mensal e está dentro da newsletter semanal da ELLE) ou ver as edições já publicadas aqui.

Até domingo que vem,

Nathalia