Este texto foi publicado originalmente na minha newsletter no Substack, que mantive ativa durante seis meses em 2022.
Bom dia! Acho que depois da última newsletter eu deveria mudar o nome deste espaço para clube não-oficial dos introvertidos®. Fiquei surpresa (e feliz ao mesmo tempo?) com pessoas me chamando no inbox pra falar que se identificavam com o termo, pessoas que nunca imaginei que se enxergavam assim. Acho que essa é a graça de escrever em público no fim das contas!!
Para esta semana, queria retomar a ideia inicial desta newsletter, que era basicamente dar atualizações do meu período sabático pra quem se interessasse e poder registrar para posteridade este momento inusitado da minha vida (que eu às vezes chamo de vida em suspensão). No primeiro texto, eu citei algo sobre uma “rotina inventada” e uma pessoa veio me falar que se inspirou nela para criar uma também. Acho que pode ser legal contar um pouco sobre isso hoje em um texto que não seja sobre redes sociais para variar.
Eu trabalhei na ELLE até o último dia útil de dezembro do ano passado e em janeiro deste ano já era uma pessoa com 100% de tempo livre. Foi uma mudança drástica e nos primeiros três meses eu não quis/não consegui fazer muita coisa. Não digo coisas produtivas, mas eu pensava que leria alguns livros, veria filmes, iria em exposições, sairia com amigos, andaria na rua em horários aleatórios… mas eu basicamente joguei The Sims. Mesmo — estou frisando porque sinto que muitos não me levam a sério quando falo que jogo The Sims. Sempre rola uma risadinha de não é possível que você ainda jogue esse jogo, ou pensam que eu jogo um pouquinho de fim de semana. Mas não é o caso. São milhares de horas e planilhas no Notion dedicadas a organizar minhas personagens e suas complexas árvores genealógicas.
Enquanto a vida dos meus Sims seguia agitada, a minha estava meio parada, o que às vezes me incomodava, às vezes não. No começo de abril, fui convencida a fazer um curso de desenho de observação depois de muita insistência do meu namorado. Uma amiga nossa, uma pintora incrível por sinal, ia abrir uma turma online e eu flertei com a proposta rapidamente, mas logo descartei porque a ideia de ter gente me julgando era a última coisa que eu queria no meu ano de descanso e relaxamento. Ainda mais por algo que eu sou ruim. Não é falsa modéstia, eu sempre desenhei muito mal, minha letra é meio feia e minha mãe diz que fica angustiada vendo eu segurar um lápis. Alguma coisa, entretanto, me fez aceitar, talvez a sensação de que esse curso era algo que eu SÓ poderia fazer neste ano sabático e fazê-lo seria uma oportunidade para comprovar que ele era real. Quando, senão agora, eu teria o tempo, a disposição mental e a audácia de me inscrever em algo que não fosse para me aprimorar profissionalmente?
O curso durou dois meses1 e acho que no meio dele eu comecei a me sentir um pouco mais ativa. Não era um curso sobre técnicas ou truques de desenho, era sobre destravar (ou desdobrar) o olhar, mas acho que ele acabou funcionando para destravar alguns outros aspectos da minha vida também. Em junho, detectei pela primeira vez desde a demissão uma “centelha de curiosidade querendo brotar dentro de mim que dizia que talvez eu estivesse pronta para começar a pensar se eu gostaria de voltar a fazer alguma coisa”.
Comecei criando uma lista de todos os interesses que já tive na vida: moda, escrita, jornalismo, programação, comida, design gráfico, fotografia, costura, vídeo, roteiro, redes sociais… Risquei o que envolveria trabalhar em empresas ou muito contato humano, e, disciplinada que sou, criei uma rotina semanal2 para dar uma chance aos interesses que sobraram. Ficou mais ou menos assim:
Segunda-feira
Terça-feira
Quarta-feira
Quinta-feira
Sexta-feira
Essa lista pode parecer meio horrível, uma forma bizarra de colocar atividades em dias específicos no período que eu tenho para descansar e tentar ser mais espontânea. Mas em sua (e em minha) defesa, ela era uma base (aliás, desde que criei esta newsletter, tudo foi substituído por “escrever newsletter”) e funcionou para algumas coisas inesperadas.
Ter só um dia por semana para estudar programação fez com que eu não ficasse pirando obsessivamente tentando entender alguma coisa por semanas e depois desistisse por cinco anos por achar que eu nunca alcançaria nada daquilo. Ter um dia dedicado a ouvir música fez com que eu desse um descanso para o único disco da Japanese Breakfast que eu escuto o tempo todo e ouvisse algo novo ou algo velho que eu sempre quis ouvir. Ter um dia para jogar The Sims me fez parar um pouco com o vício. Ter um dia para costurar fez com que na semana seguinte eu pudesse reavaliar se aquele projeto realmente valia a pena.
O calendário, porém, que surgiu para organizar meus hobbies e pela primeira vez me permitir me dedicar a eles, depois de um tempo começou a me pressionar: ter muitos interesses significa que eu não sou realmente boa em nenhum deles? Eu deveria escolher um e focar? Será que eu poderia viver de alguma dessas coisas? Virar streamer de The Sims e transformar minha diversão em trabalho? Ter uma marca de roupas costuradas por mim? (O mundo precisa de mais uma marca?) Criar projetos pessoais incríveis de programação e, por causa deles, ser contratada pelo mundo todo para fazer coisas mais legais ainda? Editar meus vídeos e criar um vlog? 😵💫 Não cheguei a nenhuma conclusão, mas, num ato de coragem, criei esta newsletter.
Não vou dizer que não havia pensado nisso antes. Eu pensei muito no ano passado e por isso mesmo havia desistido. Mas a vontade voltou e tudo aconteceu bem rápido: fiz um curso sobre newsletters de uma noite com a Gaía Passarelli, na mesma madrugada recuperei um rascunho que havia escrito meses antes para virar a introdução e no dia seguinte o primeiro texto saiu de uma vez. Senti que precisava lançar naquele fim de semana e pronto. Estava no ar. Finalmente, algo que eu concebi inteiramente sozinha passou a existir.
Desde então, eu não ando mais com tanta vontade de fazer minha rotina inventada de interesses funcionar. A costura, a programação, a cozinha, tudo parece menos interessante do que era. No momento, estou me deixando levar e acreditar que isso aqui é o que eu quero fazer de verdade — ainda que eu tenha colocado um prazo para acabar em dezembro.
Ontem, cliquei sem querer no botão de marcados com estrela do meu G-mail e encontrei uma mensagem que enviei em 2015 para receber em 2020 naquela moda do FutureMe. Como havia esquecido completamente que já havia lido, foi como ter recebido pela primeira vez só agora, sete anos depois. Ela dizia o seguinte:
Olá eu,
Estou escrevendo isso do trabalho porque provavelmente não terei tempo, ou esquecerei, de fazer isso em um ambiente melhor. Isso diz muito sobre minha vida agora, não tenho tempo para existir. Espero que você não esteja nessa mesma situação e esteja vivendo o mundo lá fora. Também espero que você tenha ido para Londres ou esteja morando aí. Como são as coisas na cidade? Você ainda gosta de moda? Virou designer gráfica? Programadora? Ainda está tentando descobrir como fazer o jornalismo funcionar? Espero que você esteja caminhando para tentar mudar o mundo. Ainda na ELLE? Por quantos empregos você já passou? Manda uma carta para você mesma abrir daqui cinco anos, tá? Não esquece! Faz isso agora! Não deixa pra depois porque você vai esquecer. Beijos.
Ah, você ainda acha isso engraçado? Espero que sim e que você não tenha ficado meio chata: (Link pra vídeo que não existe mais e que me deixou morta de curiosidade).
Foi divertido e extremamente emotivo ler isso. Eu já estava cansada porque na época tentava dividir meu tempo igualmente entre faculdade, TCC, trabalho e vida social. O mesmo desejo de “viver o mundo lá fora” estava ali. Os mesmos interesses que possivelmente desenvolvi ou como uma forma de subverter o que a sociedade espera das mulheres (ou seja, que não tenhamos interesses) ou para me transformar em uma “profissional mais completa”, estavam ali.
Por um segundo achei meio triste ver que eu quero essas coisas há tanto tempo, mas depois achei engraçado porque no fundo eu sei que eu não vou virar programadora, é impossível (ou no mínimo muito desgastante pro meu cérebro) aprender isso de verdade. Eu também sabia que não conseguiria resolver a crise do jornalismo ou mudar o mundo, seja lá de que forma eu pensava que faria isso em 2015. Mas eu sempre fui movida por essas ilusões. E elas continuam me alimentando demais.
Uma vez, Haley Nahman, a autora da minha newsletter preferida, escreveu sobre hábitos de curto prazo e o texto nunca mais saiu da minha cabeça. Nele, ela conta que fazer journaling a ajudou a passar por um período difícil, mas que ela abandonou rapidamente o hábito. “Eu fiz isso pela exata quantidade de tempo que me trouxe conforto, o que foi por volta de um mês. Quando comecei a me sentir melhor e senti que o journaling estava virando uma tarefa, eu parei. Pensei que deveria me forçar a continuar, mas entendi que essa era uma prática que seria melhor ser mantida em suspenso, para ser apanhada apenas quando meu mood exigisse. Um hábito de curto prazo. Essa não é uma ideia muito popular. O senso comum diz que devemos nos concentrar na consistência e longevidade. Mas, às vezes, isso parece fora de sintonia com a natureza humana, que flui e reflui, exigindo coisas diferentes em momentos diferentes. Às vezes, só precisamos fazer algo por um tempo. Journaling por um tempo. Plano de refeições por um tempo. Pratique uma forma de arte por um tempo, depois deixe-a de lado para outra coisa, como fazer caminhadas. É perfeitamente natural experimentar as coisas, ver como você se sente com elas e revisitá-las mais tarde, quando as condições de nossas vidas exigirem.”
Isso fez muito sentido pra mim porque eu provavelmente não vou fazer um filme, jogar The Sims profissionalmente, criar uma marca de roupas costurada por mim ou mesmo viver desta newsletter, mas achar que eu vou serve por um momento. Agora enxergo que a ideia do meu calendário de rotina nunca foi durar para sempre, nem mesmo até o fim deste ano, mas meu corpo precisava dele por um tempo e não me sinto frustrada por não conseguir continuar com essas coisas agora. Até porque sei que elas podem, e eventualmente vão, voltar. É tentador, mas eu não devo olhar para a Nathalia de 2015 e pensar “você ainda não conseguiu aprender a programar???”.
Eu acho lindo, me inspiro em quem consegue e desejo aperfeiçoar alguma habilidade em busca da excelência, mas eu também exergo valor nessas coisas que surgem e vão embora porque quando elas aparecerem, ou reaparecem, a minha interação com elas é sempre diferente (já que eu as recupero por motivos diferentes) e isso me provoca algo novo.
No fim, pode ser que eu acabe mesmo virando programadora, ou realmente escreva um filme, passe a costurar todas as minhas roupas, vire streamer de The Sims e consiga viver desta newsletter. Mas isso não importa muito agora. Eu não tenho ideia do que eu quero fazer da minha vida a longo prazo, mas sei que quero fazer algo e, por isso, agradeço aos hábitos de curto prazo, aos cursos de desenho e de newsletter e a todas as minhas ilusões.
É isso por hoje, bom domingo e até a próxima!!
Nathalia
Não virei desenhista, mas sinto que evoluí em confiança e em enxergar que não existe desenho errado. De qualquer forma, ser ruim em algo é bom, mas só é possível enxergar isso quando se está fora do ~mercado de trabalho~.↩︎
Não coloquei, mas no calendário da semana também tem cuidar da casa (o que é basicamente uma tarefa ininterrupta) e responder pessoas que falam comigo (essa tarefa já foi mais crítica, hoje concentro ela no período da manhã e volto para checar o WhatsApp uma ou duas vezes por dia no máximo).↩︎